quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Olhar


Você me olhou profundamente e o jeito que me olhou me fez pensar em você pelo resto do dia. Aquele olhar me confundiu na hora, mas depois me deixou feliz. Depois de tudo o que aconteceu, não dá para o fim da história ser triste. Depois de tudo o que vivemos, não dá para simplesmente cada um ir para o seu canto como se nada tivesse acontecido.
O seu olhar era o seu maior detalhe. E foi justamente nos detalhes que você me ganhou e vai ser nesses mesmos detalhes que seremos ligados pra sempre. Foi no modo como você limpava a casa quando eu ia te visitar e como você ficava lindo de avental. Foi no jeito que nós dormimos de conchinha, e juro, foi muito melhor do que dormir com ursos e travesseiros. Você me ganhou quando me buscou de táxi às 5h da manhã depois de eu ir para uma festa e você para outra e quando não me deixou dormir em paz nem por uma hora. Você me ganhou ao me fazer confiar em você de olhos fechados e contar os meus problemas para alguém que eu havia conhecido há tão pouco tempo.
Eu gostei de você porque pude ser quem eu era de verdade ao seu lado. Gostei de você porque encontrei em você um pouco de mim. Fui feliz ao seu lado porque nada mais importava quando eu estava contigo, nem notas baixas, nem dinheiro, nem horário. Afinal, nós tínhamos pouco tempo juntos e parece que sabíamos disso desde o começo. Um final de semana valeu por um namoro, dias valeram por meses, alguns meses garantiram experiência pra vida toda.
Eu gostava da sua casa. Da sua cama. Da sua falta de roupa, do seu suor, do nosso cheiro misturado que ficava depois. Gostava das nossas conversas calmas após tanta agitação e de como deitava ao meu lado e me abraçava de um jeito que me fazia pensar que aquilo iria durar pra sempre. Eu amava te dar um beijo de bom dia e de como nós enrolávamos horas na cama antes de realmente levantar.
Eu amei tudo o que nós fomos, o que poderíamos ter sido e o que deixamos de ser. Eu amei tudo o que vivemos e sofri muito imaginando tudo o que poderíamos ter vivido, juntos. Eu queria muito mais. Mas, se em tão pouco tempo você marcou demais, nem quero imaginar como poderia ter sido se fosse de outro jeito. Tive que aceitar o que aconteceu, mesmo não querendo.
Não tivemos despedida. Eu nunca soube exatamente a hora que você iria de vez. Eu nunca me preparei para um último encontro, uma última noite, um último beijo. Não tivemos ao menos um ponto final. Não terminamos, não conversamos, não nos encontramos, nem tocamos no assunto. Não houve um abraço. Só houve um olhar.

Um olhar que resumiu tudo o que nós vivemos. As conversas, os encontros, os beijos, as noites. Tudo. Dentro daquele olhar penetrante e cheio de sentimento - acompanhado por um sorriso tímido – eu vi o nosso início, meio e fim. Aquele olhar tinha sentimento. Carinho, admiração, amor, sei lá o que. Só sei que era bom. Eu achei no seu olhar o que eu precisava pra seguir em frente, em paz. Naquele olhar você entregou seu coração e eu, mesmo sem entender, pude notar. Enquanto você me olhava, eu te guardava onde ninguém mais vai tirar: na memória e no olhar. 

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Tá tudo tão sei lá

Não sei tanto assim sobre ele, pois ele é tão misterioso a ponto de sempre parecer estar escondendo algo. Já eu, que sempre fui de falar demais, eximia o coitado da culpa de nunca falar nada tão pessoal.
Ele é bonito, tem um corpo atlético e quem o vê além da aparência pode notar que há algo interessante nele. Por trás de sua baixa estatura, acredito que há um grande homem lutando pra surgir enquanto o seu eu-menino insiste em ficar. Por trás do seu abdômen sarado, há um cara que tem muito mais a oferecer do que apenas uma noite de prazer. Por trás daquele rostinho de criança, há um cara com problemas e sonhos como qualquer adulto. Problemas e sonhos que ele esconde, apenas pra si, por não confiar em ninguém a ponto de compartilhar.  
Ele tem um estilo surfista e meio desleixado como se fosse um eterno adolescente. Em meio a tantas qualidades, me assusta que elas estejam escondidas a ponto de não serem enxergadas por ninguém. Talvez, nem por ele mesmo.
Ele curte rap, hip hop e até aquela eletrônica que a batida é mais rápida que o coração. Gosta de encontrar nas músicas a realidade. Em um não tão distante passado, ele fazia questão de me mostrar suas novas descobertas musicais e dividir o fone de ouvido entre as aulas chatas do ensino médio. Aquele sorriso esteve na minha cabeça por muito tempo. Os caminhos tortos por onde ele andou, sempre me preocuparam. Ele é assim, vive de um jeito meio louco como se não houvesse amanhã ou contas pra pagar.
Sei lá. Eu já havia deixado isso lá atrás, esquecido, terminado, ignorado como todos os outros casos mal resolvidos que acumulo na vida. Mas, dessa vez, ao invés de me aparecer uma nova pessoa trazendo consigo todo o perigo de uma nova aventura, ele apareceu. Um antigo conhecido do meu coração. Por isso tudo é tão sei lá.
O motivo de estar tudo tão sei lá? Porque após anos ignorando e deixando pra lá, resolvi admitir que quando o vejo ainda fico balançada. Não é amor, não é paixão, é apenas algo estranho que ronda entre a gente. Algo que todos em volta já haviam percebido há muito tempo e nós, por engano ou ignorância, nunca aceitamos ser verdade.

Não dá pra viver nessa de amigos quase amantes. Não dá pra o encontrar e ficar na dúvida de cada movimento que ele vai realizar. Não dá pra o encontrar e o imaginar chegando perto e me beijando sem me perguntar. Tá tudo tão sei lá. E se tá tudo tão sei lá, esse sei lá só vai passar quando a gente enfim ver o que isso tudo pode dar. 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Eu só queria você

Desde quando te vi não parei de pensar em você. Olha, eu não preciso de você e levo muito bem a vida sem você ao meu lado. Só que tudo fica mais chato, triste e sem graça. Eu não preciso de você, mas te queria tanto. Eu te queria nem que fosse só pra conversar e dividir uma cerveja ou um lanche num bar qualquer. Não importa, eu só queria você. De qualquer jeito.
Eu te queria assim do jeito que você é. Repetitivo, chato, hiperativo e falando que precisa emagrecer. Eu queria nós assim como éramos. Felizes, andando de mãos dadas por ai ou na sua cama de solteiro. Eu queria. Quis tanto que você me chamasse pra conversar e resolvesse tocar no assunto ou que simplesmente me beijasse. Mas, você nem se aproximou. Não me deu mais nenhum beijo, nem um abraço, nem sequer se aproximou de mim. Já aceitei que você não vai voltar e nem vai cumprir aquela promessa - “eu não vou desistir de você tão fácil”. Todas as suas palavras ainda ecoam na minha mente. Todos aquelas dias ainda são constantes nas minhas lembranças. Todo aquele sentimento ainda está aqui dentro. Tudo aqui. Mas, você não está.
Hoje, eu decidi que não quero mais você. Mas quando lembro do seu sorriso e da maneira que você olhou pra mim da última vez que nossos olhares se encontraram, quase desisto da ideia. Nessas horas, sinto um desejo enorme de te perguntar porque me olha e sorri desse jeito se eu já não significo nada pra você. Você nem liga mais pra mim. Como conseguiu me esquecer tão fácil? Ou será que nunca gostou? E se nunca gostou, como fingiu tão bem? E se gostou, por que desistiu de mim? Me diz, a culpa foi minha? Me diz, qual foi o motivo real? São tantas as perguntas. Foi assim que ficou minha cabeça quando naquela quarta-feira o seu olhar tão profundo parecia querer me dizer alguma coisa. Aquela imagem se fixou na minha cabeça assim como você se fixou no meu coração.
Já desisti de te esquecer. Não dá pra te apagar da memória. Só vou tentar deixar essa história como está e aceitar esse ponto final. Daqui a menos de um mês, as férias chegam e eu não irei esbarrar com você por ai tão cedo. A sua ausência vai me sufocar, mas uma hora vai deixar de fazer falta. Vai virar só saudade. Eu vou sempre lembrar de você. Do que a gente viveu e de tudo o que escrevi pensando em você. Daquele filme que vimos e daquele que não conseguimos ver. Das conversas que tranquilizaram e as que me fizeram perder noites ao lembrar.  
E eu sei também que uma hora ou outra você vai lembrar de mim e ver que sente minha falta também. Quem sabe, você lembre um pouco de mim quando estiver com essa menina que passou de mãos dadas com você ao meu lado. Quando voltar da sua cidade e a rotina começar. Quando à tarde sentar naquele bar e não me ver passar. Quando terminar a faculdade e lembrar das aventuras, eu sei que vou estar lá. Talvez um dia ao deitar, você se lembre de tudo o que fazíamos na sua cama e de como era bom me ter lá.

Eu não preciso de você, mas eu só queria te amar. Eu só queria você, o seu sorriso e o seu olhar.

domingo, 24 de novembro de 2013

Chega de ser igual

Chega de problema. Cansei de pessoas grudentas demais, desapegadas demais ou que não sabem amar. Chega de aperto. Cansei de casas pequenas ou de corações que tem pouco espaço pra me dar. Chega de não. Cansei de não amar, de não dizer, de não sentir. Chega de falta. Cansei de falta de sentimento, de pensamento e de palavras. 

Chega de discursos vazios de amor e pensamentos cheios de ódio. Cansei de pessoas egoístas e que só enxergam seu próprio umbigo. Chega de ficar calada ao ouvir besteira ou de fingir não ouvir pra evitar discussão. Cansei de engolir minhas ideias e de sufocar minhas opiniões. Eu quero é falar.

Chega de não ver. Cansei de não ver defeitos, não ver coisa boa, não ver a realidade. Chega de continuar. Cansei de continuar coisas que já acabaram, relacionamentos falidos, sentimentos passados. Chega de mais coisa ruim do que coisa boa. Chega de aceitar tudo passivamente. Eu quero é levar a vida do meu jeito.

Chega de tudo o que não tem que ser. Cansei mesmo. Mesmo que o que não tem que ser seja tudo o que eu queria. Mesmo que o que eu queria seja tudo o que sempre quis. Cansei.

Chega de mentira. Chega de ilusão e desilusão. Cansei de dar meu coração a quem só me dá a mão.

Chega de confusão. Cansei de desentendimento, mal entendido e culpa. Chega de perder tempo. Eu quero é maturidade, sinceridade e felicidade. Assim, os três de uma vez sem talvez. Sem dúvida, incerteza ou hesitação. Eu quero saber o que fazer, o que falar e o que pensar. Eu quero é poder somar algo de bom, subtrair coisas ruins, dividir problemas e multiplicar felicidade.

Eu quero exclamação, cansei de interrogação. Sem mais ponto final. Chega de ser igual!

domingo, 17 de novembro de 2013

Com quantos pobres se faz um rico?

Toda semana há um novo assunto em pauta na internet. Essa semana o assunto foi sobre um cara chamado Alexander Almeida. O tal cara fez parte de uma reportagem da Veja na qual ele fala os 10 mandamentos do rei do camarote. Todo mundo se assustou com a maneira pela qual a situação é tratada. Todo mundo criticou o cara pelo seu estilo de vida. Realmente, o cara foi um ridículo e essa reportagem totalmente sem noção. Mas, que levantou um tema relevante. 
Nasci no Rio de Janeiro, mas botei meus pés no Leblon pela primeira vez só em 2009. Saí de lá com uma sensação estranha dentro do peito. Uma sensação de não pertencer a aquele lugar. Tudo era diferente: os semáforos, os bancos, os orelhões, os pontos de ônibus, as praças. Aquele bairro parecia um lugar a parte do Rio que eu conhecia. Nunca mais senti vontade de voltar lá. 
Fiquei por anos pensando naquilo. O que aquele Leblon que eu vi tinha de semelhante com o Catumbi que eu morava? Quase nada. Havia uma grande diferença entre as casas, os carros, as ruas, as pessoas. Senti-me um pouco marginal. À margem da sociedade. Que lugar era aquele? Em que mundo eu vivia? Em um mundo em que existe uma discrepância gigante entre o rico e o pobre e que só não vê quem não quer. 
Eu vejo essa desigualdade todo dia. Vejo quando saio da minha casa na favela e vou pra minha faculdade na zona sul. Vejo quando vi a vida que levei, que nem foi lá tão difícil quanto outras e a vida que vejo muitas pessoas levando. Vejo quando faço parte da minoria do lugar onde eu moro que está no ensino superior. Vejo quando eu faço parte da minoria de onde eu moro que ainda não teve um filho aos 19 anos. Vejo quando preciso do auxílio que o governo me dá para frequentar a faculdade. Vejo essa desigualdade no salário da minha mãe. 
O que isso tem a ver com o rei do camarote? Existe uma infinidade de pessoas como ele espalhadas pelo mundo. Em suas casas luxuosas, em seus carros que custam uma casa, em suas roupas que tem o mesmo valor da compra de mês de muitas famílias pobres. Com certeza, existe um monte de pessoas dessas no Leblon. Na Barra da Tijuca. Até na própria Tijuca. Nos bairros ricos de São Paulo que eu não faço a mínima ideia de qual sejam os nomes. 
Para uma jovem usar um short de 500 reais, quantas outras estão usando roupas doadas por alguém? Para um cara ter uma Ferrari de milhões quantos outros tem que pegar o ônibus lotado? Enquanto aquele cara tá indo pra balada de segurança, quantas pessoas estão morando desprotegidas nas favelas? Enquanto aquele cara tá torrando dinheiro no camarote da boate até o infinito, quantas outras estão trabalhando de segunda a segunda para apenas se alimentar? 

Com quantos pobres se faz um rico?

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Eu e você



Passaram-se nove anos. Agora, estou aqui. Sentada ao seu lado vendo o sol se pôr no Arpoador. Lembrando da única e inesquecível vez que fizemos isso no meio das ondas do mar. Mar e céu sempre me deixaram pensativa. Esse lugar sempre me trouxe lembranças que há muito tempo queria ter esquecido. Lembranças que são boas, mas que trazem à tona um passado que parece não ter fim. Mesmo depois de tudo ter acabado. Pra mim nunca acabou. Eu pensei, repensei. Ouvi milhares de músicas de amor e casos iguais ao nosso e quando não era igual eu arranjava um jeito de fazer parecer. Escrevi incontáveis textos, contos e histórias em que você era o personagem. Quando não era você, eu desejava que fosse. Até que eu cansei de pensar, de ouvir, de escrever. Só não me cansei de você. Deixei-te lá guardado e agora estou aqui vendo seu rosto outra vez.
Passaram-se nove anos. Eu não aguentei.
Se eu te falar que eu preferiria não te encontrar nunca mais, você acreditaria? Não queria ver como você está agora. Tinha guardado o seu rosto tão jovem e te imaginava como parte de um passado que não volta mais. Porém agora, meus dedos tocam seu rosto, sua barba com dois ou três fios brancos e seus cabelos tão bem cortados. O sorriso é o mesmo. O olhar também. Não há quase ninguém por aqui. O beijo mais longo e emocionante de nossas vidas resumiu toda a agonia que preenchia aquele lugar. Toda culpa era pequena comparada a felicidade que aquele momento trouxe.
Todo mundo já sentiu vontade de parar o tempo. Vontade de voltar no tempo. Vontade de sentir de novo. Vontade de viver de novo. Multiplique essa vontade por 100 e eleve a décima potência. Era o que eu sentia naquela hora. Eu sabia que aquilo não duraria muito tempo. Havia uma vida após isso. Uma vida difícil depois disso.
Foi o dia mais rápido e longo da minha vida. O mais angustiante e reconfortante. O mais triste e feliz.
O último adeus doeu mais. Em todos os outros, eu tinha a esperança de que você poderia voltar. Você tinha a mesma esperança. Quando você foi embora deixou uma sensação de história inacabada e essas reticências me fizeram pensar em você por todos esses anos. Parece que nós nos encontramos, sem querer, para dar um ponto final a essa história. Seu amor eu não pude sentir, sua boca eu não pude beijar, nos seus braços eu não pude dormir, ao seu lado eu não pude acordar. Eu só pude me despedir, te evitar, te ver ir e mesmo assim te amar. Eu te amei de lá até agora. Eu vou te amar de agora até lá.
Passaram-se nove anos. Agora, estou aqui. Deitada ao seu lado na areia da praia olhando a lua e as estrelas. Venta forte, mas o seu abraço não me deixa sentir frio. O vento me lembra que o tempo vai com ele. A escuridão já me impede de separar o mar do horizonte. Falta pouco para o dia terminar e levar você. Falta pouco pra você partir e levar contigo meu coração. Talvez nunca mais iremos nos ver. Não dá tempo de se arrepender. Os seus olhos me dizem que essa é a melhor coisa a se fazer. Eles me olham profundamente e estão atentos a todos os meus movimentos e emoções. Senti depois de tanto tempo aquela sensação indescritível em cada parte do meu corpo. Era praticamente impossível pensar em outra coisa a não ser em você e no que você estava me fazendo sentir.
Nada mais importa. Não tinha como parar. Eu percebi que seria impossível te encontrar e tudo não voltar. Não tinha como dizer que eu me arrependi. Não tinha como dizer que não faria isso novamente. Foi um erro. Meu e seu. O pior, o mais condenável, o que não poderia ser confessado. Mas, o melhor, o que foi imaginado e tinha que ser realizado. As roupas jogadas na areia. Um banho gelado no mar. Aquilo parecia mais um sonho do que realidade. Mas, tudo era real e nós tínhamos que encarar. 
Foi difícil dormir por quase um mês. Eu vivia com olheiras, com o olhar distante e um sorriso enigmático no canto da boca. Fiquei mais agitada que o normal e evitava ficar só, porque ficar só era lembrar tudo. Sei que vou ficar o resto da vida prisioneira desse segredo. Sei que vou guardar pra sempre todos os detalhes daquele dia e toda a nossa história de antes. É uma pena que algo tão intenso tenha acabado assim. Eu aqui, você sabe se lá onde. A nossa história jogada no lixo do meu escritório em papeis milimetricamente picados. Ninguém pode saber, só eu e você.

domingo, 3 de novembro de 2013

Nega

Quanto tempo, nega. Tanta coisa mudou, ou melhor quase tudo. Seu estilo de vida, minhas roupas e nossos corpos. O rosto, talvez só um pouco mais maduro. Eu to morando lá na minha cidade natal. Antes eu aproveitava qualquer feriado para ir para lá, agora sempre que posso volto para aqui. Nunca mais voltei naquela casa que eu morava nos tempos da faculdade, muito menos naquele quarto onde passamos aquelas noites. Mas, eu lembro muito bem de onde ficava cada coisa. Minha cama bem ao lado da janela, os lençóis jogados atrás da cama, nossas roupas no chão e a música tocando para abafar os sons que só a gente podia ouvir. Sempre que venho vou tomar um chopp com os meus amigos, aqueles que apareciam na sala e te matavam de vergonha ao ter que passar por eles ao sair do quarto, os mesmos que você sempre encontrava pelo campus quando queria me ver. Quando a gente relembra as histórias antigas, eles sempre me perguntam se eu ainda te vejo e acabam me lembrando de você. Não que eu tenha te esquecido, mas sabendo que estou tão perto as lembranças ficam bem pior.

Falando em lembranças, eu sinto tanta saudade nega. Eu nem sei ao certo quanto tempo faz que nós não nos vemos. Lembro que quando disse que iria de vez, você deixou cair uma lágrima apressada e quando eu percebi você deixou todo o resto sair. Eu disse que nós nos encontraríamos por aqui ou quem sabe por lá. Falei também que você poderia me visitar se quisesse, e você como sempre me disse que não gostava de São Paulo. Já eu, era dividido entre meu estado e o Rio. Mas, voltei pra lá. Foi definitivo. No fundo, eu sempre soube, e você também, que era lá o meu lugar e que eu voltaria pra lá assim que pudesse. Ou seja, assim que terminasse a faculdade. Esse foi um dos motivos pelo qual eu resolvi me afastar de você. Eu só fui te explicar depois, você pensou que eu não gostava de você e talvez não entenda muito bem até hoje. Você disse que queria que eu fosse sempre sincero. Minha linda, a gente nunca pode falar tudo o que se passa dentro da gente. Era melhor daquele jeito, deixar pra lá o que poderia ser e encarar o que era necessário ser. Voltar com a amizade que quase se perdeu. Não foi tão fácil assim pra mim. Olhar pra você e saber que tudo aquilo que nós tivemos não teríamos nunca mais. Acredito que pra você também foi difícil. Eu via seu olhar preocupado sempre que me via com alguém do lado.

Eu ainda tenho aquela cartinha que você me mandou. No outro dia ao procurar um trabalho em um pendrive, encontrei ela no meio de algumas fotos de 2013. O que você escreveu só me fez ter certeza do que eu já desconfiava, você estava gostando mesmo de mim e talvez até mais do que eu imaginava. Você disse que me amou em vinte dias. Mal a gente sabia que aqueles vinte dias seriam lembranças para os próximos vinte, trinta, ou quarenta anos. Cinquenta ou sessenta, se vivermos muito e se a memória não falhar. Foram justamente essas memórias que me impediram de te procurar durante esses quase nove anos. Aquele contato que prometemos manter, perdemos ao chegar no terceiro ano distantes um do outro. Você, resolveu desaparecer ao ficar noiva de algum cara que eu nunca vi na vida. Eu, também com compromisso, entendi seu lado e nem fiz questão de ter alguma maneira de te achar. Aquela amizade que nasceu na sua primeira semana de faculdade acabava com um adeus na webcam em uma quinta feira de abril. Coincidências a parte, no mesmo dia da semana e mês que a gente se conheceu e até hoje me pergunto se isso foi de propósito ou não. Dois sorrisos amarelados que tentavam não mostrar o que se passava por dentro e dois olhos que gravavam atentamente cada detalhe do rosto que veria pela última vez. Até hoje.

Fiquei feliz em te encontrar. Você também, eu acho. Você já tem uma filha e ela é linda com aqueles cabelos cacheados. Incrível, ela tem o mesmo sorriso que você. Também tenho um filho. Ele tem os olhos iguais aos meus. Parece estranho, mais imaginei uma criança com seu cabelo, seu sorriso e com meus olhos. Uma mistura de nós dois. Você está casada e eu também, mas fiquei imaginando como seria se estivéssemos juntos. Você era muito nova e inconsequente apesar de ter quase tudo o que eu queria em alguém. Eu não queria nada sério com ninguém e muito menos contigo que parecia que iria virar minha vida de cabeça pra baixo a qualquer momento. Tudo já era muito louco para mais confusão. Agora, aqui estamos nós. Maduros, responsáveis, casados e com filhos. Tudo mudou, nega. Mas, juro que te ver andando pelo corredores do shopping que frequentávamos balançou todo o meu mundo. Pensei por alguns segundos se devia fingir que não te vi e ir logo embora dali ou ir atrás de você e ouvir sua voz depois de tanto tempo. Sem pensar muito, escolhi a segunda opção.

Almoçamos juntos e conversamos como nos velhos tempos. Tentamos resumir anos em apenas alguns minutos de conversa. Você falou sobre o seu marido, eu sobre a minha esposa. Falamos sobre quase tudo: trabalho, viagens, dinheiro, futuro, crianças, menos de nós dois. Eu evitava olhar o relógio para não ver o tempo passar. Encontrar-te assim de repente, foi uma coisa inesperada. Não tão inesperado quanto eu ter a ousadia de te convidar para continuar conversando comigo. O que eu menos esperava era que você fosse aceitar, mas eu tinha esquecido que você sempre foi meio louca. Acho que isso ainda não mudou. Desmarquei meus compromissos e você deixou o trabalho pra lá. Alugamos duas bicicletas, e como naquele inesquecível fim de semana fomos em direção ao lugar perfeito para conversar: Arpoador. Ao chegar lá, me bateu um desespero. Algo me dizia que eu não sairia igual daquele encontro. Esse algo estava certo.

Conversamos sobre as coisas mais aleatórias e espontâneas. O assunto fluía como se fôssemos melhores amigos e nem parecia que fazia tanto tempo que a gente nem sequer sabia se o outro estava vivo ou não. Encontrar você fez eu me sentir quase como um adolescente novamente. Entre tantas histórias, eu disse que tinha orgulho de você. Você me pediu um abraço. Aquele foi o abraço mais agoniante da minha vida. Cabeça a mil, coração quase saindo pela boca e braços tão apertados a sua volta. Eu não queria te deixar sair. Na verdade, eu nunca quis. Mas, o que tem que acontecer acaba acontecendo de qualquer maneira. O tempo passou, a distância separou, os compromissos afastaram. O sentimento não acabou. Parecia que tudo aquilo tinha voltado quando resolvemos nos tocar.

O silêncio se instaurou por algum tempo. Eu evitei olhar pra você. Olhei pro mar, pro céu. Olhei pra dentro de mim. Quando consegui te encarar, você estava fitando as nuvens com uma lágrima equilibrada pronta pra cair. Eu te abracei novamente e você disse que não sabia como um sentimento que pensava ter acabado estava apenas adormecido esse tempo todo. Eu não pensava em mais nada, só em você. Acredito que você também não pensava em nada além de mim naquele momento. As pessoas erram. Naquele dia nós erramos juntos. Depois daquele beijo, só o os astros do céu eram testemunhas do que aconteceu.

O sol estava quase indo embora. Eu te pedi pra ficar, você disse que tinha alguém te esperando. Eu também tinha alguém que nem podia imaginar o que havia acontecido. Nós sabíamos bem que aquela tarde seria só mais uma loucura que faríamos na vida. Não poderíamos largar toda uma vida construída pelo talvez de um amor do passado. Eu te disse a frase que você me mandou naquela carta “tudo o que é bom dura o tempo necessário para ser inesquecível”. Eu nunca te esqueci. Você nunca me esqueceu. Nós nunca nos esquecemos. Mas, devíamos não lembrar. Por não te ver, pensei não sentir. O que os olhos não veem, o coração não sente.

Mais uma vez, tivemos que nos separar. Ô minha nega, o destino sempre nos une e nos separa tão rápido quanto nos junta. É melhor desse jeito, deixar pra lá o que pode ser e encarar o que é necessário ser. Melhor cada um ir pro seu canto porque se a gente continuar eu até penso em largar tudo pra ficar com você. Ir pra um lugar qualquer onde só tenha nós dois, uma cama e muita aventura pra viver. Mas, se quando novo eu tive coragem de ir, mais velho tenho coragem em dobro. Você, por incrível que pareça, também pensou nas consequências de atitudes precipitadas. Não se tratava só de nós dois, mas de outras tantas pessoas que não mereciam sofrer por nossa causa. Mais uma vez, tenho que ir e você sem saber como ficar. Mais um adeus forçado. Eu te disse que não iria desistir de você. Só que às vezes desistir é a melhor opção. Eu nunca te esqueci. Só que às vezes um sentimento não é suficiente pra juntar duas pessoas que se amam, mas que não devem ficar juntas. É melhor parar por aqui e evitar mais problemas além de uma lembrança que vai voltar a atormentar até adormecer novamente. Nós sabemos bem que a vida não é tão fácil assim. Quem sabe nossos filhos possam se conhecer. Eu estou indo, mas já com saudade de você. Quem sabe um dia a vida nos surpreenda e nos deixe viver esse amor que nunca pôde ser vivido. Enquanto isso eu fico lá, você aqui. Eu nunca te disse, mas não é tarde pra falar. Eu não te esqueci e pra sempre vou lembrar daquele tempo e de nós. Nem do que aconteceu embaixo dos lençóis quando ficávamos a sós. Eu te amo minha nega.


O sol se pôs. Junto com ele meu amor se foi. A lua vêm. Junto com ela, as lembranças também. Assim a vida vai, nesse imenso leva e traz. Ela trouxe e levou o meu amor. E a dor. Tive que deixar ela partir, mas eu também tenho que ir.