Quanto tempo, nega. Tanta coisa
mudou, ou melhor quase tudo. Seu estilo de vida, minhas roupas e nossos corpos.
O rosto, talvez só um pouco mais maduro. Eu to morando lá na minha cidade
natal. Antes eu aproveitava qualquer feriado para ir para lá, agora sempre que
posso volto para aqui. Nunca mais voltei naquela casa que eu morava nos tempos
da faculdade, muito menos naquele quarto onde passamos aquelas noites. Mas, eu
lembro muito bem de onde ficava cada coisa. Minha cama bem ao lado da janela,
os lençóis jogados atrás da cama, nossas roupas no chão e a música tocando para
abafar os sons que só a gente podia ouvir. Sempre que venho vou tomar um chopp
com os meus amigos, aqueles que apareciam na sala e te matavam de vergonha ao
ter que passar por eles ao sair do quarto, os mesmos que você sempre encontrava
pelo campus quando queria me ver. Quando a gente relembra as histórias antigas,
eles sempre me perguntam se eu ainda te vejo e acabam me lembrando de você. Não
que eu tenha te esquecido, mas sabendo que estou tão perto as lembranças ficam
bem pior.
Falando em lembranças, eu sinto tanta
saudade nega. Eu nem sei ao certo quanto tempo faz que nós não nos vemos. Lembro
que quando disse que iria de vez, você deixou cair uma lágrima apressada e
quando eu percebi você deixou todo o resto sair. Eu disse que nós nos
encontraríamos por aqui ou quem sabe por lá. Falei também que você poderia me
visitar se quisesse, e você como sempre me disse que não gostava de São Paulo.
Já eu, era dividido entre meu estado e o Rio. Mas, voltei pra lá. Foi
definitivo. No fundo, eu sempre soube, e você também, que era lá o meu lugar e
que eu voltaria pra lá assim que pudesse. Ou seja, assim que terminasse a
faculdade. Esse foi um dos motivos pelo qual eu resolvi me afastar de você. Eu
só fui te explicar depois, você pensou que eu não gostava de você e talvez não
entenda muito bem até hoje. Você disse que queria que eu fosse sempre sincero.
Minha linda, a gente nunca pode falar tudo o que se passa dentro da gente. Era
melhor daquele jeito, deixar pra lá o que poderia ser e encarar o que era
necessário ser. Voltar com a amizade que quase se perdeu. Não foi tão fácil
assim pra mim. Olhar pra você e saber que tudo aquilo que nós tivemos não
teríamos nunca mais. Acredito que pra você também foi difícil. Eu via seu olhar
preocupado sempre que me via com alguém do lado.
Eu ainda tenho aquela cartinha que
você me mandou. No outro dia ao procurar um trabalho em um pendrive, encontrei
ela no meio de algumas fotos de 2013. O que você escreveu só me fez ter certeza
do que eu já desconfiava, você estava gostando mesmo de mim e talvez até mais
do que eu imaginava. Você disse que me amou em vinte dias. Mal a gente sabia
que aqueles vinte dias seriam lembranças para os próximos vinte, trinta, ou
quarenta anos. Cinquenta ou sessenta, se vivermos muito e se a memória não
falhar. Foram justamente essas memórias que me impediram de te procurar durante
esses quase nove anos. Aquele contato que prometemos manter, perdemos ao chegar
no terceiro ano distantes um do outro. Você, resolveu desaparecer ao ficar
noiva de algum cara que eu nunca vi na vida. Eu, também com compromisso,
entendi seu lado e nem fiz questão de ter alguma maneira de te achar. Aquela
amizade que nasceu na sua primeira semana de faculdade acabava com um adeus na
webcam em uma quinta feira de abril. Coincidências a parte, no mesmo dia da
semana e mês que a gente se conheceu e até hoje me pergunto se isso foi de
propósito ou não. Dois sorrisos amarelados que tentavam não mostrar o que se
passava por dentro e dois olhos que gravavam atentamente cada detalhe do rosto
que veria pela última vez. Até hoje.
Fiquei feliz em te encontrar. Você
também, eu acho. Você já tem uma filha e ela é linda com aqueles cabelos
cacheados. Incrível, ela tem o mesmo sorriso que você. Também tenho um filho.
Ele tem os olhos iguais aos meus. Parece estranho, mais imaginei uma criança
com seu cabelo, seu sorriso e com meus olhos. Uma mistura de nós dois. Você
está casada e eu também, mas fiquei imaginando como seria se estivéssemos juntos.
Você era muito nova e inconsequente apesar de ter quase tudo o que eu queria em
alguém. Eu não queria nada sério com ninguém e muito menos contigo que parecia
que iria virar minha vida de cabeça pra baixo a qualquer momento. Tudo já era
muito louco para mais confusão. Agora, aqui estamos nós. Maduros, responsáveis,
casados e com filhos. Tudo mudou, nega. Mas, juro que te ver andando pelo corredores
do shopping que frequentávamos balançou todo o meu mundo. Pensei por alguns
segundos se devia fingir que não te vi e ir logo embora dali ou ir atrás de
você e ouvir sua voz depois de tanto tempo. Sem pensar muito, escolhi a segunda
opção.
Almoçamos juntos e conversamos como
nos velhos tempos. Tentamos resumir anos em apenas alguns minutos de conversa.
Você falou sobre o seu marido, eu sobre a minha esposa. Falamos sobre quase tudo:
trabalho, viagens, dinheiro, futuro, crianças, menos de nós dois. Eu evitava
olhar o relógio para não ver o tempo passar. Encontrar-te assim de repente, foi
uma coisa inesperada. Não tão inesperado quanto eu ter a ousadia de te convidar
para continuar conversando comigo. O que eu menos esperava era que você fosse
aceitar, mas eu tinha esquecido que você sempre foi meio louca. Acho que isso
ainda não mudou. Desmarquei meus compromissos e você deixou o trabalho pra lá.
Alugamos duas bicicletas, e como naquele inesquecível fim de semana fomos em
direção ao lugar perfeito para conversar: Arpoador. Ao chegar lá, me bateu um
desespero. Algo me dizia que eu não sairia igual daquele encontro. Esse algo
estava certo.
Conversamos sobre as coisas mais aleatórias
e espontâneas. O assunto fluía como se fôssemos melhores amigos e nem parecia
que fazia tanto tempo que a gente nem sequer sabia se o outro estava vivo ou
não. Encontrar você fez eu me sentir quase como um adolescente novamente. Entre
tantas histórias, eu disse que tinha orgulho de você. Você me pediu um abraço.
Aquele foi o abraço mais agoniante da minha vida. Cabeça a mil, coração quase
saindo pela boca e braços tão apertados a sua volta. Eu não queria te deixar
sair. Na verdade, eu nunca quis. Mas, o que tem que acontecer acaba acontecendo
de qualquer maneira. O tempo passou, a distância separou, os compromissos
afastaram. O sentimento não acabou. Parecia que tudo aquilo tinha voltado
quando resolvemos nos tocar.
O silêncio se instaurou por algum
tempo. Eu evitei olhar pra você. Olhei pro mar, pro céu. Olhei pra dentro de
mim. Quando consegui te encarar, você estava fitando as nuvens com uma lágrima
equilibrada pronta pra cair. Eu te abracei novamente e você disse que não sabia
como um sentimento que pensava ter acabado estava apenas adormecido esse tempo
todo. Eu não pensava em mais nada, só em você. Acredito que você também não
pensava em nada além de mim naquele momento. As pessoas erram. Naquele dia nós
erramos juntos. Depois daquele beijo, só o os astros do céu eram testemunhas do
que aconteceu.
O sol estava quase indo embora. Eu te
pedi pra ficar, você disse que tinha alguém te esperando. Eu também tinha
alguém que nem podia imaginar o que havia acontecido. Nós sabíamos bem que
aquela tarde seria só mais uma loucura que faríamos na vida. Não poderíamos
largar toda uma vida construída pelo talvez de um amor do passado. Eu te disse
a frase que você me mandou naquela carta “tudo o que é bom dura o tempo
necessário para ser inesquecível”. Eu nunca te esqueci. Você nunca me esqueceu.
Nós nunca nos esquecemos. Mas, devíamos não lembrar. Por não te ver, pensei não
sentir. O que os olhos não veem, o coração não sente.
Mais uma vez, tivemos que nos
separar. Ô minha nega, o destino sempre nos une e nos separa tão rápido quanto
nos junta. É melhor desse jeito, deixar pra lá o que pode ser e encarar o que é
necessário ser. Melhor cada um ir pro seu canto porque se a gente continuar eu
até penso em largar tudo pra ficar com você. Ir pra um lugar qualquer onde só
tenha nós dois, uma cama e muita aventura pra viver. Mas, se quando novo eu
tive coragem de ir, mais velho tenho coragem em dobro. Você, por incrível que
pareça, também pensou nas consequências de atitudes precipitadas. Não se
tratava só de nós dois, mas de outras tantas pessoas que não mereciam sofrer
por nossa causa. Mais uma vez, tenho que ir e você sem saber como ficar. Mais
um adeus forçado. Eu te disse que não iria desistir de você. Só que às vezes
desistir é a melhor opção. Eu nunca te esqueci. Só que às vezes um sentimento
não é suficiente pra juntar duas pessoas que se amam, mas que não devem ficar
juntas. É melhor parar por aqui e evitar mais problemas além de uma lembrança
que vai voltar a atormentar até adormecer novamente. Nós sabemos bem que a vida
não é tão fácil assim. Quem sabe nossos filhos possam se conhecer. Eu estou
indo, mas já com saudade de você. Quem sabe um dia a vida nos surpreenda e nos
deixe viver esse amor que nunca pôde ser vivido. Enquanto isso eu fico lá, você
aqui. Eu nunca te disse, mas não é tarde pra falar. Eu não te esqueci e pra
sempre vou lembrar daquele tempo e de nós. Nem do que aconteceu embaixo dos
lençóis quando ficávamos a sós. Eu te amo minha nega.
O sol se pôs. Junto com ele meu amor
se foi. A lua vêm. Junto com ela, as lembranças também. Assim a vida vai, nesse
imenso leva e traz. Ela trouxe e levou o meu amor. E a dor. Tive que deixar ela
partir, mas eu também tenho que ir.
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