domingo, 3 de novembro de 2013

Nega

Quanto tempo, nega. Tanta coisa mudou, ou melhor quase tudo. Seu estilo de vida, minhas roupas e nossos corpos. O rosto, talvez só um pouco mais maduro. Eu to morando lá na minha cidade natal. Antes eu aproveitava qualquer feriado para ir para lá, agora sempre que posso volto para aqui. Nunca mais voltei naquela casa que eu morava nos tempos da faculdade, muito menos naquele quarto onde passamos aquelas noites. Mas, eu lembro muito bem de onde ficava cada coisa. Minha cama bem ao lado da janela, os lençóis jogados atrás da cama, nossas roupas no chão e a música tocando para abafar os sons que só a gente podia ouvir. Sempre que venho vou tomar um chopp com os meus amigos, aqueles que apareciam na sala e te matavam de vergonha ao ter que passar por eles ao sair do quarto, os mesmos que você sempre encontrava pelo campus quando queria me ver. Quando a gente relembra as histórias antigas, eles sempre me perguntam se eu ainda te vejo e acabam me lembrando de você. Não que eu tenha te esquecido, mas sabendo que estou tão perto as lembranças ficam bem pior.

Falando em lembranças, eu sinto tanta saudade nega. Eu nem sei ao certo quanto tempo faz que nós não nos vemos. Lembro que quando disse que iria de vez, você deixou cair uma lágrima apressada e quando eu percebi você deixou todo o resto sair. Eu disse que nós nos encontraríamos por aqui ou quem sabe por lá. Falei também que você poderia me visitar se quisesse, e você como sempre me disse que não gostava de São Paulo. Já eu, era dividido entre meu estado e o Rio. Mas, voltei pra lá. Foi definitivo. No fundo, eu sempre soube, e você também, que era lá o meu lugar e que eu voltaria pra lá assim que pudesse. Ou seja, assim que terminasse a faculdade. Esse foi um dos motivos pelo qual eu resolvi me afastar de você. Eu só fui te explicar depois, você pensou que eu não gostava de você e talvez não entenda muito bem até hoje. Você disse que queria que eu fosse sempre sincero. Minha linda, a gente nunca pode falar tudo o que se passa dentro da gente. Era melhor daquele jeito, deixar pra lá o que poderia ser e encarar o que era necessário ser. Voltar com a amizade que quase se perdeu. Não foi tão fácil assim pra mim. Olhar pra você e saber que tudo aquilo que nós tivemos não teríamos nunca mais. Acredito que pra você também foi difícil. Eu via seu olhar preocupado sempre que me via com alguém do lado.

Eu ainda tenho aquela cartinha que você me mandou. No outro dia ao procurar um trabalho em um pendrive, encontrei ela no meio de algumas fotos de 2013. O que você escreveu só me fez ter certeza do que eu já desconfiava, você estava gostando mesmo de mim e talvez até mais do que eu imaginava. Você disse que me amou em vinte dias. Mal a gente sabia que aqueles vinte dias seriam lembranças para os próximos vinte, trinta, ou quarenta anos. Cinquenta ou sessenta, se vivermos muito e se a memória não falhar. Foram justamente essas memórias que me impediram de te procurar durante esses quase nove anos. Aquele contato que prometemos manter, perdemos ao chegar no terceiro ano distantes um do outro. Você, resolveu desaparecer ao ficar noiva de algum cara que eu nunca vi na vida. Eu, também com compromisso, entendi seu lado e nem fiz questão de ter alguma maneira de te achar. Aquela amizade que nasceu na sua primeira semana de faculdade acabava com um adeus na webcam em uma quinta feira de abril. Coincidências a parte, no mesmo dia da semana e mês que a gente se conheceu e até hoje me pergunto se isso foi de propósito ou não. Dois sorrisos amarelados que tentavam não mostrar o que se passava por dentro e dois olhos que gravavam atentamente cada detalhe do rosto que veria pela última vez. Até hoje.

Fiquei feliz em te encontrar. Você também, eu acho. Você já tem uma filha e ela é linda com aqueles cabelos cacheados. Incrível, ela tem o mesmo sorriso que você. Também tenho um filho. Ele tem os olhos iguais aos meus. Parece estranho, mais imaginei uma criança com seu cabelo, seu sorriso e com meus olhos. Uma mistura de nós dois. Você está casada e eu também, mas fiquei imaginando como seria se estivéssemos juntos. Você era muito nova e inconsequente apesar de ter quase tudo o que eu queria em alguém. Eu não queria nada sério com ninguém e muito menos contigo que parecia que iria virar minha vida de cabeça pra baixo a qualquer momento. Tudo já era muito louco para mais confusão. Agora, aqui estamos nós. Maduros, responsáveis, casados e com filhos. Tudo mudou, nega. Mas, juro que te ver andando pelo corredores do shopping que frequentávamos balançou todo o meu mundo. Pensei por alguns segundos se devia fingir que não te vi e ir logo embora dali ou ir atrás de você e ouvir sua voz depois de tanto tempo. Sem pensar muito, escolhi a segunda opção.

Almoçamos juntos e conversamos como nos velhos tempos. Tentamos resumir anos em apenas alguns minutos de conversa. Você falou sobre o seu marido, eu sobre a minha esposa. Falamos sobre quase tudo: trabalho, viagens, dinheiro, futuro, crianças, menos de nós dois. Eu evitava olhar o relógio para não ver o tempo passar. Encontrar-te assim de repente, foi uma coisa inesperada. Não tão inesperado quanto eu ter a ousadia de te convidar para continuar conversando comigo. O que eu menos esperava era que você fosse aceitar, mas eu tinha esquecido que você sempre foi meio louca. Acho que isso ainda não mudou. Desmarquei meus compromissos e você deixou o trabalho pra lá. Alugamos duas bicicletas, e como naquele inesquecível fim de semana fomos em direção ao lugar perfeito para conversar: Arpoador. Ao chegar lá, me bateu um desespero. Algo me dizia que eu não sairia igual daquele encontro. Esse algo estava certo.

Conversamos sobre as coisas mais aleatórias e espontâneas. O assunto fluía como se fôssemos melhores amigos e nem parecia que fazia tanto tempo que a gente nem sequer sabia se o outro estava vivo ou não. Encontrar você fez eu me sentir quase como um adolescente novamente. Entre tantas histórias, eu disse que tinha orgulho de você. Você me pediu um abraço. Aquele foi o abraço mais agoniante da minha vida. Cabeça a mil, coração quase saindo pela boca e braços tão apertados a sua volta. Eu não queria te deixar sair. Na verdade, eu nunca quis. Mas, o que tem que acontecer acaba acontecendo de qualquer maneira. O tempo passou, a distância separou, os compromissos afastaram. O sentimento não acabou. Parecia que tudo aquilo tinha voltado quando resolvemos nos tocar.

O silêncio se instaurou por algum tempo. Eu evitei olhar pra você. Olhei pro mar, pro céu. Olhei pra dentro de mim. Quando consegui te encarar, você estava fitando as nuvens com uma lágrima equilibrada pronta pra cair. Eu te abracei novamente e você disse que não sabia como um sentimento que pensava ter acabado estava apenas adormecido esse tempo todo. Eu não pensava em mais nada, só em você. Acredito que você também não pensava em nada além de mim naquele momento. As pessoas erram. Naquele dia nós erramos juntos. Depois daquele beijo, só o os astros do céu eram testemunhas do que aconteceu.

O sol estava quase indo embora. Eu te pedi pra ficar, você disse que tinha alguém te esperando. Eu também tinha alguém que nem podia imaginar o que havia acontecido. Nós sabíamos bem que aquela tarde seria só mais uma loucura que faríamos na vida. Não poderíamos largar toda uma vida construída pelo talvez de um amor do passado. Eu te disse a frase que você me mandou naquela carta “tudo o que é bom dura o tempo necessário para ser inesquecível”. Eu nunca te esqueci. Você nunca me esqueceu. Nós nunca nos esquecemos. Mas, devíamos não lembrar. Por não te ver, pensei não sentir. O que os olhos não veem, o coração não sente.

Mais uma vez, tivemos que nos separar. Ô minha nega, o destino sempre nos une e nos separa tão rápido quanto nos junta. É melhor desse jeito, deixar pra lá o que pode ser e encarar o que é necessário ser. Melhor cada um ir pro seu canto porque se a gente continuar eu até penso em largar tudo pra ficar com você. Ir pra um lugar qualquer onde só tenha nós dois, uma cama e muita aventura pra viver. Mas, se quando novo eu tive coragem de ir, mais velho tenho coragem em dobro. Você, por incrível que pareça, também pensou nas consequências de atitudes precipitadas. Não se tratava só de nós dois, mas de outras tantas pessoas que não mereciam sofrer por nossa causa. Mais uma vez, tenho que ir e você sem saber como ficar. Mais um adeus forçado. Eu te disse que não iria desistir de você. Só que às vezes desistir é a melhor opção. Eu nunca te esqueci. Só que às vezes um sentimento não é suficiente pra juntar duas pessoas que se amam, mas que não devem ficar juntas. É melhor parar por aqui e evitar mais problemas além de uma lembrança que vai voltar a atormentar até adormecer novamente. Nós sabemos bem que a vida não é tão fácil assim. Quem sabe nossos filhos possam se conhecer. Eu estou indo, mas já com saudade de você. Quem sabe um dia a vida nos surpreenda e nos deixe viver esse amor que nunca pôde ser vivido. Enquanto isso eu fico lá, você aqui. Eu nunca te disse, mas não é tarde pra falar. Eu não te esqueci e pra sempre vou lembrar daquele tempo e de nós. Nem do que aconteceu embaixo dos lençóis quando ficávamos a sós. Eu te amo minha nega.


O sol se pôs. Junto com ele meu amor se foi. A lua vêm. Junto com ela, as lembranças também. Assim a vida vai, nesse imenso leva e traz. Ela trouxe e levou o meu amor. E a dor. Tive que deixar ela partir, mas eu também tenho que ir. 

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